7 de abril: a abdicação de D. Pedro I

A independência do Brasil foi seguida por uma série de guerras. No Norte e Nordeste, o processo de ruptura com Portugal esteve longe de ser tranquilo. Entre março e maio de 1823, Belém registra levantes pró- Lisboa. O mesmo ocorre no Maranhão, Piauí e Ceará, onde os conflitos armados estendem-se de outubro de 1822 a janeiro de 1823. Na Bahia, as lutas desdobram-se por quase um ano. Tais embates não pararam por aí.

Na verdade, tiveram desdobramentos bem mais sérios em outras regiões, e punham em xeque a dominação das duas cortes. A reengenharia política da independência implicava esvaziar a influência das Cortes legislativas portuguesas, criando uma similar nacional. A medida deu certo e foi auxiliada por algumas iniciativas recolonizadoras dos constituintes portugueses. A elas deve em grande parte ser atribuído o sucesso do Grito do Ipiranga, gesto que, se não contasse com o inestimável apoio das elites do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, passaria para a história como mais um berro inconsequente do autoritário d. Pedro. A independência, porém, pregou uma peça nessas elites. Um ano após ser convocada, a Assembleia Constituinte foi dissolvida e, em seu lugar, o imperador designou um pequeno grupo para redigir uma Constituição “digna dele”, ou seja, que lhe garantisse poderes semelhantes aos dos reis absolutistas. Um exemplo disso foi a criação do Poder Moderador, através do qual o monarca reservava para si, entre outras prerrogativas, o direito de nomear senadores, convocar e dissolver assembleias legislativas, sancionar decretos, suspender resoluções dos conselhos provinciais, nomear livremente ministros de Estado, indicar presidentes de província e suspender magistrados.

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Não é de se estranhar, portanto, que, lá pelos idos de 1824, parte das elites provinciais encarasse a independência como um retrocesso em relação às conquistas da Revolução do Porto. Tal descontentamento, porém, não significava a luta pela “restauração”, até porque Portugal, por aquela época, também dava uma guinada rumo ao absolutismo. Em vez de voltar a obedecer a Lisboa ou continuar obedecendo ao Rio de Janeiro, a palavra de ordem agora era de independência local e proclamação da República. E é isso que ocorrerá, em Pernambuco, no ano de 1824,quando então é deflagrada a Confederação do Equador, um movimento republicano e de cunho separatista, ou federalista, que contou com a adesão de fazendeiros, homens simples e também de numerosos padres. A rápida difusão da revolta e a violenta repressão que se seguiu dimensionam o grau de descontentamento reinante. Nada mais do que seis províncias apoiam a rebelião contra o despotismo carioca; três delas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, chegam a fornecer tropas para combater ao lado dos pernambucanos. A repressão, por sua vez, foi violentíssima, deixando como saldo centenas de mortos e dezessete condenados à forca, inclusive clérigos, como Frei Caneca.

Nos anos seguintes, o imperador recua e convoca a primeira Assembleia Legislativa, empossando-a em 1826. O federalismo, almejado pelas elites regionais, continuou, porém, a ser um sonho distante. Para complicar ainda mais o quadro político, d. Pedro, entre 1825 e 1828, enfrenta outro movimento separatista, envolvendo a Província Cisplatina.

Essa rebelião, uma vez vitoriosa, dá origem ao Uruguai. A guerra torra grande quantidade de recursos públicos, sendo inclusive uma das causas da falência do Banco do Brasil em 1829. A crise financeira instala-se com o aumento vertiginoso da emissão de moedas para cobrir os gastos públicos, resultando uma inflação igualmente vertiginosa. No Rio de Janeiro, por exemplo, o preço de alimentos básicos da população pobre e dos escravos, como a farinha de mandioca e o charque, dobram em um espaço de poucos anos. O imperador torna-se cada vez mais impopular.

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Paralelamente a isso, o Exército, ampliado às pressas em razão das lutas contra as tropas portuguesas e grupos separatistas, foge ao controle das autoridades. Compostas em grande parte por mercenários estrangeiros, oriundos das guerras napoleônicas, e homens pobres, muitos deles pardos e negros livres, as forças armadas aliam-se às demais camadas populares nos ataques a comerciantes portugueses. Estes eram odiados por serem considerados responsáveis pela elevação dos preços dos alimentos no meio urbano.

No início da década de 1830, o clima é de guerra civil. Rio de Janeiro, Ceará, Bahia, Pernambuco e Alagoas são palco de levantes armados em que fazendeiros, tropas, pequenos proprietários, índios e escravos se ombreiam, ora contra a centralização do poder, ora como expressão de revolta diante da pobreza e da escravidão. É nesse contexto que d. Pedro I, a 7 de abril de 1831, renuncia ao trono brasileiro. Junto ao medo de ser deposto, havia outro motivo para o gesto: em 1826, com a morte de d. João VI, o imperador tornou-se o virtual sucessor da Coroa portuguesa.

Ciente do risco que a ameaça de restauração representava, como munição para movimentos separatistas, d. Pedro renuncia ao trono lusitano em nome da filha, sob o título de d. Maria II. Tal gesto, porém, não é acatado por seu irmão, d. Miguel, lançando Portugal em uma guerra de sucessão dinástica até 1834, na qual, entre os combatentes, estava d. Pedro I – aliás, d. Pedro IV para os portugueses.

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Em 1831, a segunda renúncia do imperador buscava apaziguar os ânimos no Brasil. Tal efeito não é difícil de ser compreendido: como herdeiro do trono ficou uma criança – o futuro d. Pedro II –, que nem ao menos havia completado os 5 anos de idade. Na prática, portanto, a abdicação significava a transferência do poder para as elites regionais, tendo em vista que o cargo máximo do governo – inicialmente na forma de regência trina (ou seja, composto por três regentes) e, depois, na forma da escolha de um único regente, como foi Diogo Feijó (1835-37) e Araújo Lima (1837-40) –, passou a ser definido via eleição. A descentralização, porém, ao contrário do imaginado, acentuou ainda mais as tendências separatistas.

(Uma Breve História do Brasil”, de Mary del Priore e Renato Venâncio).

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Em 7 de abril de 1831, nosso primeiro imperador abdicou em favor do filho.

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